TEXTO PARA DISCUSSÃO
Kunihiko Bonkohara, 65 anos:
Picles. Kunihiko Bonkohara está
vivo graças aos picles. Em agosto de 1945, vivia no sul de Hiroshima, a 2 quilômetros
do centro. Sua casa ficava de frente para um depósito de tsukemono (legumes
em conserva japoneses), prédio alto de tijolos resistentes.
Às 8h15 da manhã daquele 6 de
agosto, recorda-se estar sentado ao lado de seu pai, engenheiro civil, diante
da escrivaninha que ficava junto à janela da sala. A mãe e a irmã de 14 anos
haviam sido convocadas para os trabalhos de demolição no centro da cidade.
Bonkohara tinha 5 anos de idade.
De repente, uma luz muito forte
entrou pela janela. Em seguida, ouvimos um grande estrondo e uma rajada de
vento levou o andar de cima da casa pelos ares. O vidro estourou e nós nos
escondemos rapidamente embaixo da escrivaninha. Meu pai deitou-se em cima de
mim. Lembro dele com as costas todas cobertas de sangue.”
Dos males, o menor. No lado de
fora, o bairro inteiro estava destruído. As tradicionais construções de madeira
– e quem quer que estivesse dentro – haviam sido reduzidas a entulho. Apenas
duas casas tinham ao menos o térreo de pé: a de Bonkohara e a do vizinho.
Precisamente aquelas sobre as quais o grande armazém de picles fazia sua
abençoada sombra. Agindo como uma espécie de barreira, aquele prédio os
protegera das ondas de calor, das rajadas de vento, do fogo e da radiação. Ou
seja, da exposição total à bomba atômica.
Quando
pai e filho ainda procuravam entender o que diabos havia sido aquilo, uma chuva
escura e espessa começou a cair sobre a casa sem teto. “Parecia pixe”, lembra
Bonkohara. Quem dera fosse: trazia, na verdade, uma combinação mortal de água e
fuligem radioativa produzida pelas cinzas da cidade que queimava do lado de
fora.
A nuvem descomunal criada pela
própria bomba ajudou a carregar a “chuva negra” para áreas de Hiroshima que não
haviam sido diretamente atingidas. E quem acreditou ter escapado ganhou também
sua cota de radiação.
Fonte: Os caminhos da Terra,
agosto de 2005, ano 13, nº 160, p. 51.
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